domingo, 3 de junho de 2012

"Não, não haveria possibilidade de não querê-la violentamente naquele dia. O sol conspirou a seu favor e ela conseguia se mostrar imperfeitamente humana. Existia uma graciosidade desde momentos antes, uma conspiração quase que maligna – se não fosse um prenúncio de amor. Desde então, todas as suas conjecturas, todas as suas complexidades, aquela gana de sentir algo por alguém apenas para manter-se viva poeticamente canalizaram para um só ser. Não, não a achava linda como deveria, não a queria perfeita, como demonstraria, existia uma incompatibilidade de gênios, inclusive; uma, centrada, a outra doidivanas. Elas se sabiam existir em mundos paralelos e queriam, por certo, mais adrenalina em suas vidas... mas pareciam calmas e serenas, o que ficava marcado eram as entrelinhas. Elas se liam nas entrelinhas e nenhuma ousou falar do dentro da outra. O dentro era repleto de complicações que, talvez elas mesmas faziam crescer. Mas isso, realmente não importa, o que vai ser dito é o que não podemos esperar de algo esperado e edificado sem o consentimento do verbo. O que vai a ser dito é, na verdade, a transmutação consciente de um sentimento sem dono. A gente não ama alguém, a gente ama a nossa forma de amar alguém. E foi assim que ela se fez de vez.
As coisas não podiam ser diferentes, existia música, ritmo e um sentimento latente que pulsava gritando seu nome. Não, não haveria possibilidade de não querê-la pacificamente. A música era lenta e o batimento acelerado, cada madrugada era uma expectativa boa de ser acordada já com uma música tema, “um sinal de que seria assim” e que não haveria possibilidade de não entrar de cabeça naqueles olhos puxados. Elas se sabiam existir de forma nova e já utilizada, ela era um produto meio que aberto e danificado, já a outra sentia-se casta e inebriadamente seduzida... o que a fazia temer.
Ela era o prenúncio do por-do-sol, a sensação lânguida de um sentimento pungente e já bem definido. A gente não precisa de tempo para saber o que é amar – é um estado de graça e contemplação, é perder horas sorrindo no trabalho mais enfadonho e sorrir, e cantar e voltar para casa andando só para que a conversa não acabasse nunca. Ela era a caminhada no início e no findar do dia, ela era a definição da complicação criada para entender que não haveria possibilidade de não se apaixonar por aquele ser tão imperfeito. A outra nunca a desejou e jamais sentiu que haveria possibilidade disso lhe acontecer. A outra moldava sua forma de sentir e nunca deixou-se envolver sem que tivesse poder absoluto sobre os passos dos seus sentimentos. Porém, com ela, não houve poligamia de amor. A sensação era de que sua alma havia sido sorvida de modo que ela co-habitaria no mesmo espaço que a outra."
L.R

E eu estou tomando sopa, ouvindo Vermelho -  Marcelo Camelo e leio esse texto. E preciso deixar a sopa, desligar o som e submergir na leitura. A leitura das entrelinhas, perigosa como uma ogiva. Entalo. Releio, pausadamente, abrindo cada palavra em pedacinhos que ficam suspensos pelo ar. Forçando o desentendimento para ser despretensiosa. Para engolir mais uma vez a sensação torturante da dúvida, que tem se feito mais cruel e duradoura do que o habitual. Talvez se tivesse lido num outro dia, ou numa outra hora desse dia de hoje, configurasse a intenção de forma diferente. Os ventos trazem informações que, por vezes, eu nem gostaria de sabe-las, e vai mesclando em mim o que sinto, o que acho, o que ouço, os concelhos, as loucuras, enfim, me deixa sem ermo, me faz pairar, tremer e no ápice, faz chorar. Queria dizer que é um choro inocente, puro, mas se parece mais com uma ansia, "uma ansia vermelha, adoçada com meu de abelha, de uma doçura que chega a ser cruel". Só agora parei para me perguntar porque eu nunca questionei o que realmente me interessava, deixando de fora as amenidades, os contratempos e todo o resto. Eu me perguntei, e no mesmo fundo que eu fantasio uma realidade desejada, eu sei a resposta da minha pergunta.

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