Quer ir? Vai. Eu não vou segurar. Uma coisa que não dá certo é segurar uma pessoa contra a vontade, apelar pro lado emocional. De um jeito ou de outro isso vira contra a gente mais tarde: não fui porque você não deixou, ou: não fui porque você chorou. Sabe, existem umas harmonias em que é bom a gente não mexer. Estraga a música. Tem a hora dos violinos e tem a hora dos tambores.
Eu compreendo, compreendo perfeitamente. Olha, e até admito: você muda pra melhor. Fora de brincadeira, acho mesmo. Eu sei das minhas limitações, pensei muito nisso quando tava tentando te entender. É, é um defeito meu, considerar as pessoas em primeiro lugar. Concordo. Mas não tem mais jeito, eu sou assim. Paciência.
Sabe por que eu digo que você muda pra melhor? Ele faz tanta coisa melhor do que eu! Verdade. Tanta coisa que eu não aprendi por falta de tempo, de oportunidade - ora, pra que ficar me justificando? Não aprendi por falta de jeito, de talento, essa é que é a verdade. Eu sei ver as qualidades de uma pessoa, mesmo quando é um homem que vai roubar minha namorada. Roubar não: ganhar.
Compara. Ele dança muito bem, até chama a atenção. Campeão de natação, anda de bicicleta como um acrobata de circo, é bom de moto, sabe atirar, é fera no volante, caça e acha, monta a cavalo, mete o braço, pesca, veleja, mergulha... Não tem companhia melhor.
Eu danço mal, você sabe. Não consegui ultrapassar aquela fronteira larga entre a timidez e a ousadia, entre a discrição e o exibicionismo, que separa o mau e o bom bailarinos. Nunca fui muito além daquela fase em que uma amiga compadecida precisava sussurrar no meu ouvido: dois pra lá, dois pra cá.
Atravessar uma piscina eu atravesso, uma vez, duas talvez, mas três? Menino de cidade, e modesto, não tive córrego nem piscina. É com olhos invejosos que eu o vejo na água, afiado como se tivesse escamas. Moto? Meu Deus, quem sou eu. Pra ser bom nisso é preciso ter aquele ar de quem vai passar roncando na frente ou por cima de todo mundo - e esse ar ele tem.
O jeito como ele dirige um carro é humilhante. Já viajei com ele, encolhido e maravilhado. Você conhece o jeitão, essa coisa da velocidade. Não vou ter nunca aquela noção de tempo, a decisão, o domínio que ele tem. Cada um na sua. Eu troquei a volúpia de chegar rapidinho pelo prazer de estar a caminho. No amor também.
Aí é que eu tou perdido mesmo, no capítulo da coragem. Ele faz e acontece, já vi. Mas eu? Quantas vezes já levei desaforo pra casa. Levei e levo. Se um cachorro late pra mim na rua, vou lá e mordo ele? Eu não. Mudo de calçada.
Vai. Olha, não quero dizer que o que eu vou falar agora tenha importância pra você, que possa ter influído na sua decisão, mas ele tem mais dinheiro também, você sabe. Ele tem até, sabe?, aquele ar corajoso dos ricos, aquela confiança de entrar nos lugares. Eu não. Muito cristal me intimida. Os meus lugares são uns escondidos onde o garçom é amigo, o dono me confessa segredos, o cozinheiro acena lá do quadradinho e me reserva o melhor naco. É mais caloroso, mas não compensa o brilho, de jeito nenhum.
Ele é moderno, decidido. Num restaurante não te oferece primeiro a cadeira, não observa se você tá servida, não oferece mais vinho. Combina, não é?, com um tipo de feminismo. A mulher que se sente, peça o que quiser, sirva-se, chame o garçom quando precisar. Também não procura saber se você tá satisfeita. Eu sei que é assim que se usa agora. Até no amor. Já eu sou meio antigo, ultrapassado, gosto de umas cortesias.
Também não vou dizer que ele é melhor do que eu em tudo. Isso não. Eu sei por exemplo uns poemas de cor. Li alguns livros, sei fazer papagaio de papel, posso cozinhar uns dois ou três pratos com categoria, tenho certa paciência pra ouvir, sei uma ótima massagem pra dor nas costas, mastigo de boca fechada, levo jeito com crianças, conheço umas orquídeas, tenho facilidade pra descobrir onde colocar umas carícias, minhas camisas são lindas, sei umas coisas de cinema, não bato em mulher.
E não sou rancoroso. Leva a chave para o caso de querer voltar.
Ivan Angelo
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